quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Custos perdidos

Eu gosto de ler livros populares sobre economia, estilo Freakonomics. Assim vou aprendendo alguns conceitos que acho interessantes. Um dos conceitos de economia que acho mais relevantes não só para o trabalho mas para a vida em geral é o de sunk costs (em portugês, "custos perdidos", "custos irrecuperáveis" ou "custos enterrados").

Custos perdidos são aqueles que você já teve com um projeto qualquer e que não tem como recuperar. O importante sobre custos perdidos é que você não deve levá-los em conta para tomar decisões sobre o futuro. Afinal de contas, o que passou, passou. O que vale é o que se tem hoje e o que vem pela frente.

Por exemplo, suponha que você tenha uma caixinha de açafrão legítimo, a especiaria mais cara do mundo, mais cara que o ouro. Você deve fazer uma paella? Você vai ao supermercado e descobre que vai te custar 100 reais pra comprar os outros ingredientes. E aí, faz a paella ou não? Pois para tomar essa decisão, você só deve considerar o custo dos ingredientes restantes e o valor que você atribui à paella. Não importa se pelo açafrão você pagou 10 reais, 100 reais, 500 reais, ou se você ganhou de presente da sua vó. Mas se eu não fizer a paella, vou desperdiçar o açafrão! Vai sim, mas vai estar 100 reais menos pobre.

E o que isso tem a ver com desenvolvimento de software? Tudo. Projetos de software são cheios de surpresas: atrasam, precisam de mais máquinas do se imaginava, de mais pessoas, de mais dinheiro. À medida em que o projeto caminha, mais precisa fica nossa estimativa, como mostra a figura abaixo:


O que fazer quando percebemos que erramos nossa estimativa inicial e que tudo vai ser mais caro ou demorado do que se esperava? Nessa hora, é preciso decidir se devemos cancelar ou não o projeto. Para tomar essa decisão, não importa o quanto tempo e dinheiro já foram gastos com o projeto. O que importa é o quanto ainda vai ser gasto. Ou seja, o que devemos nos perguntar é, "acho que vou gastar X tempo ou dinheiro para terminar esse projeto. Eu tenho X tempo ou dinheiro? quero investir X nesse projeto?"

Essa é a ação racional a ser tomar.

Infelizmente (ou não), as pessoas não são racionais. Seres humanos têm aversão a perdas, e jogar fora algo que já se conquistou é dificílimo, mesmo que não fazê-lo seja irracional. Um exemplo clássico disso é o do ingresso de cinema. Imagine as seguintes situações:
Situação A: Você compra ingressos para o cinema pela internet, por 20 reais. Só que quando chega ao cinema, descobre que o bolso está furado e que perdeu os ingressos. Você tem 20 reais no outro bolso. Você vai ao cinema?
Situação B: Você vai ao cinema. O ingresso custa 20 reais. Só que quando você enfia a mão no bolso, você descobre que o bolso está furado e que perdeu uma nota de 20 reais. No outro bolso, você tem outra nota de 20 reais. Você vai ao cinema?
Se você é como a maioria das pessoas, você se sente mais confortável em ir ao cinema na situação B do que na situação A, apesar do resultado das duas situações serem idênticos, ou seja, você está 40 reais mais pobre e foi ao cinema, ou 20 reais mais pobre e não foi ao cinema. O fato de comprar de novo ingressos que você já comprou é dificílimo para a maioria. Um ótimo livro que trata desse tipo de comportamento é Previsivelmente Irracional, de Dan Ariely.

Você mesmo deve ser assim. Quantas vezes você continou assistindo a um filme muito ruim só porque já tinha assistido metade? Quantas vezes ficou em um lugar desagradável porque "já vim até aqui mesmo"? Quantas vezes comeu comida ruim só porque sua mãe ensinou que não se deixa comida no prato? Se você não comer, ninguém vai comer o resto do seu prato, então já era - custo perdido. Melhor não comer.

E daí? E daí que, mesmo sabendo que você não deve levar custos perdidos em conta para tomar decisões, você precisa se lembrar que as pessoas levam os custos perdidos em conta. Todos ficam tristes e aborrecidos quando seu tempo e esforço são inúteis. Já dizia meu querido orientador Don Cowan, "não se apaixone pelo seu trabalho, você pode ter de jogá-lo fora." Se já é doloroso jogar fora seu próprio trabalho, imagine se outra pessoa é quem decide jogá-lo fora. A reação natural é de raiva, revolta, desgosto. Se você trabalha em uma equipe e decide cancelar um projeto, lembre-se que é preciso valorizar e compensar o esforço que já foi feito. Então, muito cuidado quando for você o responsável por essa decisão.

Resumindo:
  • se for tomar uma decisão para você mesmo, não leve em conta os custos perdidos;
  • se for tomar uma decisão para sua equipe, lembre-se que os outros (mas não você, claro) são irracionais e não vão entender bem esse lance de "custos perdidos"

Um comentário:

  1. Concordo que "Valorizar e compensar o esforco que ja foi feito." deveria ser a norma, mas eh excecao. O que ocorre mesmo eh alguma cabeca rolar, para se poder justificar as perdas...

    ResponderExcluir