Todos nós prezamos pelo conforto dos nossos lares. Gastamos quantidades imensas de tempo e dinheiro para fazer de nossas casas lugares agradáveis de se passar o tempo, bonitas, serenas e confortáveis. No entanto, a maioria de nós passa muito menos horas acordados dentro de nossas casas do que passamos no trabalho. Por que, então, não fazemos o mesmo com o local onde trabalhamos? Por que passar o dia em lugares apertados, barulhentos, estéreis, iluminados de forma desagradável? Eu não entendo.
O tratado mais interessante sobre espaço físico que já li está no livro Peopleware: productive projects and teams, um clássico do Tom DeMarco e Timothy Lister. O livro trata da produtividade de profissionais da área de informática e dedica um dos seus seis capítulos inteiramente aos efeitos do espaço físico na produtividade. Vou resumir aqui algumas das conclusões do livro a ainda incluir outros estudos. Vamos por partes.
1. Espaço de trabalho
O Peopleware cita um estudo muito interessante feito pela IBM em 1978, motivado pela construção de seu novo campus em Santa Teresa, Califórnia. Durante o estudo, observaram o trabalho no dia-a-dia de inúmeros profissionais da IBM e chegaram à conclusão que profissionais dessa área precisam de, no mínimo, 9 m2 de espaço individual por trabalhador, sendo que 3 desses 9 m2 devem ser de área de trabalho - ou seja, mesas. Valores inferiores a esses levavam à reduções na produtividade devido ao barulho, interrupções e dificuldade em se manejar materiais. Essas reduções levariam a perdas maiores do que o custo de se manter o espaço adicional.
E que custo é esse? Não sei dizer o preço vigente de aluguéis de escritórios pelo Brasil, mas em uma rápida busca descobri que em São Paulo o metro quadrado de salas está por volta de R$ 50,00 por mês. Ou seja, se hoje a empresa tem 4 m2 por desenvolvedor, o custo para se passar para os 9 m2 recomendados pela IBM seria de R$ 250,00 por mês, por desenvolvedor. O custo de se mobiliar esse espaço com os 3 m2 de mesa de boa qualidade é bem menor do que esse se considerarmos a amortização com o tempo. Se a produtividade média aumentar em 10%, é um investimento que vale a pena. Mas será que a produtividade aumentaria em 10%? Vamos continuar.
2. Ruído e interrupções
O trabalho intelectual exige concentração. A maior produtividade do desenvolvedor vem quando ele entra no estado chamado de fluxo, em que está totalmente absorvido pela sua atividade e não vê o tempo passar. Você já teve desses dias, não teve? Aquele dia em que se sentou na frente do computador e quando viu, já eram duas horas da manhã. Esse é o estado de fluxo.
Um indivíduo leva entre 10 e 15 minutos para entrar nesse estado. Isso implica que, a cada interrupção, o estado de fluxo é quebrado e é difícil retomar a atividade anterior. Para se produzir mais, é preciso minimizar as interrupções. Em uma entrevista recente, Jason Fried, fundador da 37signals, declarou que lá se faz de tudo para minimizar interrupções - evita-se usar o telefone quando possível e prefere-se usar e-mail. Também alocam longos blocos de tempo para o trabalho produtivo em que as pessoas evitam interromper quem está trabalhando.
Os estudos citados no Peopleware confirmam essa necessidade. Trabalhadores que consideram seu ambiente silencioso cometem, em média, menos erros que os que o consideram barulhento. Quanto maior a densidade de pessoas, maior o ruído e mais frequentes as interrupções. Como é possível trabalhar quando a todo instante um telefone toca, ou alguém está contando algum caso, ou há uma discussão intensa acontecendo a dois metros de distância?
Ora, quando mais apertado o espaço de trabalho, maior o ruído percebido. Um estudo interessante da Cornell University demonstrou que níveis de ruído altos trazem diversos prejuízos à saúde e ao desempenho, mesmo quando as pessoas expostas ao ruído não acham que o ruído está atrapalhando.
O que as pessoas fazem hoje para escapar do ruído é refugiar-se em seus headphones, ouvindo música alta para fugir das interrupções, o que também não é bom para a concentração.
3. Iluminação
A maioria dos ambientes de trabalho hoje em dia, especialmente os ambientes de empresas de informática, é iluminado em excesso. É provável que nada tenha contribuído mais para a desumanização dos espaços interiores do que o advento da luz fluorescente longa. Por ser de baixo custo, ela permeia os interiores com um espectro desagradável e que ainda pode causar dores de cabeça, fadiga e stress. O fato é que a maioria dos ambientes pode ser iluminado durante o dia apenas com a luz natural que vem das janelas e algumas luzes indiretas.
Eu não entendo porque praticamente se aboliu o uso da luz natural, que é mais saudável e agradável. Se você não acredita em mim, experimente ir ao escritório em um fim de semana, desligar as luzes e abrir todas as persianas. Depois tente trabalhar durante algumas horas e me diga se não se sente melhor. Se você ainda não acredita, pergunte a qualquer arquiteto ou decorador. Você não usa essas luzes fluorescentes compridas na sua casa e há um bom motivo para isso. Não use no trabalho também.
Resumindo
O trabalho produtivo precisa de:
- espaço
- silêncio
- iluminação adequada
O custo para se ter isso não é alto e é mais do que justificado em ganhos de produtividade e na satisfação e saúde dos trabalhadores. Mais do que isso, no entanto, trabalhar em um local agradável é uma necessidade humana. Todos somos atraídos pelo que é bonito, estético, confortável. O grande arquiteto Christopher Alexander (aquele que inspirou a gang dos quatro a criar os padrões de projeto) chama espaços com essas características de orgânicos - espaços que mesclam as necessidades do indivíduo com as necessidades coletivas, que exibem personalidades que harmonizam com a natureza.
Trabalho é vida e todos queremos viver bem. Cuide de seu ambiente de trabalho como sua casa, porque assim ele é.
Se você quer ler mais sobre o assunto, essa página tem um bom apanhado de links.
Olá. Gostei do texto mas uma questão ficou em aberto ao final da seção 1. Espaço de trabalho: "Mas será que a produtividade aumentaria em 10%? Vamos continuar."
ResponderExcluirNão encontrei essa informação explicitada no restante do texto. Gostaria de saber se você tem números de alguma experiência em que uma reorganização do ambiente aumentou a produtividade. Se puder compartilhar esse tipo de dado, ficarei muito agradecido.
Valeu!
Bom, não tinha não, mas procurando um pouco achei alguns:
ResponderExcluirhttp://bit.ly/9Y6glg - cita alguns estudos sobre melhoras de produtividade após reorganizações do ambiente.
http://www.soundmasking.com/ReferenceCenter/ATCOCallCenter.pdf - um estudo que mostra que melhorias acústicas para diminuir o barulho em um call center aumentaram as vendas em 20%
http://www.scientificjournals.org/journals2009/articles/1460.pdf - (longo) outro estudo que demonstrou correlação direta entre o layout dos escritórios e a produtividade, sendo a iluminação o fator mais influente.
http://www.management-issues.com/2006/8/24/research/poor-workplace-design-damages-productivity.asp - mais alguns dados
http://www.senseair.se/Articles/A8_104.pdf - esse estudo diz que pode-se esperar aumentos de 4% a 10% através de melhorias no espaço físico.
outro post legal sobre o assunto:
http://www.codinghorror.com/blog/2004/12/this-is-your-anti-productivity-pod.html
Tenho certeza que com um pouco mais de paciência dá pra desenterrar mais evidências concretas.
Torsten, brigadão! Um dos sócios da empresa onde trabalho leu o texto e gostou. Gostou também do blog, disse que é interessante.
ResponderExcluirÉ bom ter números para conseguir justificar alguns tipos de investimentos, diretores e donos de empresas têm um interesse natural em ROI e outras coisas que justifiquem seus investimentos.
Valeu!
Ei Torsten,
ResponderExcluirgostei muito do post. Queria saber se voce tem alguma informacao em relacao a como o barulho afeta projetos que utilizam "pair-programming"...
Dri
Oi Dri,
ResponderExcluirQueria muito ter uma resposta concreta pra te dar mas nunca li a respeito. Fiz agora uma busca rápida por "pair programming noise" e achei algumas coisas. O consenso entre as coisas que li é que os pares não atrapalham uns aos outros mas atrapalham quem está programando sozinho. Assim, o ideal é ter um espaço separado para pair programming.
No entanto, um dos relatos que vi disse que na prática o ruído dos pares não tinha sido problema. Sei lá. Eu pessoalmente me distraio facilmente quando estão fazendo pair programming do meu lado.
Sem querer desenterrar defuntos, a Sydle é uma das empresas que, se não segue, mais se aproxima da regra dos 9m².
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